Camões
Filho, jornalista e pedagogo
Nós vivemos na corda
bamba do dia-a-dia com a doce ilusão de ganharmos o dia. Mas ganhar o dia, não
materialmente falando, mas através daquelas pequenas coisas que nos fazem
melhores e mais felizes. Obviamente que cada pessoa tem suas expectativas, seus
sonhos, suas ilusões.
O que é que nos faz
ganhar o dia? Esta semana ganhei o dia, o mês, o ano, com uma rápida conversa,
não mais do que dois minutos, com um amigo publicitário que não via há anos.
Estava em um supermercado, empurrando o carrinho de compras, absorto entre
frutas e legumes, quando ele me viu de longe. Percebi que seus olhos brilharam,
como brilham os olhos dos amigos que de há muito não se veem.
Depois de um bate-papo
rápido, ele me disse que eu não tinha mudado, que parecia que o tempo não havia
passado para mim, que eu era o mesmo de vinte anos atrás, quando batalhávamos
na mesma trincheira da imprensa.
Ao se despedir, ele me
disse: “Você está o mesmo, parece que o tempo não mudou para você.” E
completou: “Tem um porém... tudo isso, Camões, é porque você merece”.
Quem é que não ganha o
dia com um amigo falando assim pra gente?
Ganhei o dia.
Eu ganho o dia quando
ouço em um daqueles antigos discões da Maria Bethânia recitando versos de
Fernando Pessoa.
Ganho o dia quando uma
criança ri para mim.
O dia já está ganho
quando ao acordar ouço lá fora o canto dos pássaros.
Ganho o dia quando, em
meio à atribulação do dia-a-dia, a pessoa amada tira um minutinho para
telefonar pra mim e me diz: “Só liguei pra dizer que te amo”.
Ganho o dia quando chego
em casa e encontro no fogão a minha comidinha preferida.
Ganho o dia quando abro
um livro que de há muito não leio e encontro em uma página qualquer um
bilhetinho amarelecido pelo tempo.
Eu ganho o dia quando
uma pessoa amiga chega de supetão e diz que estava morrendo de saudade.
Ganho o dia quando
recebo um recadinho amável, de uma pessoa que ainda não conheço, dizendo que
leu minha crônica e que gostou muito.
Ganho o dia quando posso
sentar em um banco de um jardim qualquer, relaxar, tomar um sorvete.
Eu ganho o dia quando
tenho a oportunidade de conversar com uma pessoa que está carente, papear com
um idoso que se sente solitário e abandonado, ajudar alguém que está precisando
de apoio, sem que essa pessoa sequer desconfie de quem o ajudou, pois como
dizia minha saudosa mãe em sua santa sabedoria, o que a mão direita faz a
esquerda não precisa saber.
Ganho o dia quando posso
refestelar-me tranquilamente em minha poltrona preferida e ler os jornais,
desde o artigo do Carlos Heitor Cony até os quadrinhos do Angeli e do Hagar O
Horrível, passando pelas palavras cruzadas do Estadão.
Ganho o dia quando
consigo conciliar meus afazeres e minha agenda com aqueles que me são caros.
O dia está ganho quando
boto a cabeça no travesseiro e durmo o sono dos justos e posso ter os mais
belos sonhos do mundo.
Pronto, ganhei o dia...